25 de abril de 2024   
>> PÁGINA INICIAL/TEXTOS
..:. TEXTOS

Lisboa, 26 de Maio de 1966 — … Moreira Batista disse-me hoje, em grande segredo, que o Presidente do Conselho vai ao Porto de avião: e vai no avião da carreira, tendo mandado comprar o seu bilhete, como um mortal entre outros. Vai a Braga depois, para as celebrações do 40. ° Aniversário do 28 de Maio.

Lisboa, 30 de Maio de 1966 — Perguntei hoje a Salazar que sensação teve na sua primeira viagem aérea. Disse: nenhuma. Nem dores de cabeça, ou de ouvidos, nem enjoo. Deu grandes solavancos o aparelho, e atravessou uma trovoada. Teve medo? Não, não. Contou o que se passou em Braga. Recordou depois tempos já remotos, e traçou um retrato de alguns homens. «Gomes da Costa era uma grande figura militar, alto de um metro e noventa, e mais ilustrado do que a generalidade dos militares dessa época; mas era muito influenciável e não tinha senso político; e ignorava o que fosse o sentimento do medo. Depois da vinda dos Açores, e quando eu vim pela segunda vez para Lisboa, Gomes da Costa vinha muitas vezes falar comigo, e tínhamos longas conversas». Quanto a Cabeçadas: «Era um bom homem, e sério, mas totalmente ignorante e incapaz. Não sabia nada, não via nada; De resto, no fundo era um representante de Cunha Leal, e estava encarregado de preparar o terreno para que este assumisse o poder. Cunha Leal era então ainda conhecido e havido como príncipe herdeiro. No fundo, o 28 de Maio era destinado a tirar o poder aos democráticos e a entregá-lo aos partidários de Cunha Leal e de Brito Camacho sob a chefia política daquele». Sobre Duarte Pacheco: «Era um homem de grande valor e seria um grande ministro em qualquer pasta. Um problema estudado e resolvido pelo Duarte Pacheco era resolvido em grande e para muitos anos. Bastante das esquerdas, mas como tinha grande ambição de poder, adaptou-se com facilidade». Sobre Manuel Rodrigues: «Homem inteligente, mas um cínico completo. Passava a vida a dizer-me: olhe que neste país só há duas realidades, o homem que cava a terra e o governo que manda o homem cavar a terra». Quanto a Carmona: «Um príncipe. Uma figura muito aliciante, atraente e insinuante. Interessava-se por assuntos de história militar, e lia tudo sobre a matéria, mas julgo que se não interessava por mais nada. Nunca tive a certeza de que, durante a maior parte do tempo em que trabalhámos juntos, ele estivesse comigo. Estou mesmo convencido de que não estava comigo na maior parte desse tempo». Sobre Sinel de Cordes: «Um homem sério, bom, patriota, mas incapaz». De José Vicente de Freitas: «Sério e muito firme, um grande patriota». Por entre estes rápidos retratos, Salazar disse que teve sempre grande dificuldade em encontrar colaboradores, e que os intelectuais lhe fugiam sempre. «Calcule o senhor que os integralistas lusitanos me exigiam que restaurasse o trono como condição de colaboração. Disse-lhes que havia duas maneiras de fazer a monarquia: de cima, com o Rei, ou debaixo e de dentro fazendo o que o Rei faria e restaurando-o depois. Ora a primeira solução era impossível: não havia ambiente nem força política porque a República efectivamente se incrustara no país. Ficava portanto a segunda solução, porque a primeira arrastaria a minha queda e a deles todos. Pois não quiseram, e incompatibilizaram-se comigo. Zangaram-se o Pequito Rebelo, o Sardinha, o Hipólito Raposo, que tão mal escreveu de mim. Tudo boa gente: o Pequito Rebelo lá anda em Angola a prestar bom serviço. Mas os monárquicos fugiram-me. Eu disse-lhes que tínhamos feito uma constituição já preparada para a Monarquia. Da República, a constituição conservava três coisas: a bandeira, o hino e o nome: o resto era facilmente afeiçoável a um estado monárquico. Pois não quiseram. Foi um disparate e agora não há rei». Eu nunca ouvira a Salazar uma confissão tão próxima do monarquismo como a de hoje.

SALAZAR - testemunhos... (23)

Diário de Franco Nogueira “Um político confessa-se” 1960-1968, pág. 178 a 180

Consultar todos os textos »»

 
Música de fundo: "PILGRIM'S CHORUS", from "TANNHÄUSER OPERA", Author RICHARD WAGNER
«Salazar - O Obreiro da Pátria» - Marca Nacional (registada) nº 484579
Site criado por Site criado por PRO Designed :: ADVANCED LINES